Este texto é uma tradução livre do artigo originalmente publicado em inglês no site Catholic Education.
Existe muita emoção hoje, especialmente entre os jovens, sobre a “Teologia do Corpo” de João Paulo II – os 129 pronunciamentos catequéticos que ele deu entre 1979 e 1984 que revolucionaram a forma como muitos teólogos ensinam agora sobre amor, sexualidade e casamento.
No entanto, enquanto os católicos leigos podem inicialmente responder com muito entusiasmo às ideias que ouviram sobre a Teologia do Corpo, muitos daqueles que realmente se atrevem a ler estes pronunciamentos rapidamente se encontram sobrecarregados pela profundidade do pensamento filosófico, teológico e, de fato, místico de João Paulo II sobre este tema.
Neste breve artigo, oferecerei uma visão geral de algumas características importantes da Teologia do Corpo que farão desta obra monumental um pouco mais digerível e prática para os leitores leigos. Embora não tenha a intenção de oferecer uma imagem abrangente, apenas destacarei cinco aspectos da teologia do corpo que se relacionam a temas que já vimos desenvolvidos no trabalho anterior de João Paulo II, “Amor e Responsabilidade”.
5 chaves de leitura para entender a Teologia do Corpo
1- A Lei do Dom
Em uma época em que muitas pessoas abordam seus relacionamentos como formas de procurar seu próprio prazer, interesses ou ganho, João Paulo II constantemente nos lembra que tal autoafirmação é um beco sem saída que nunca levará ao amor e à felicidade que procuramos.
As pessoas humanas são feitas para o amor de autoentrega, não de auto-obtenção, e só encontrarão realização quando se entregarem ao serviço aos outros.
Esta “lei do dom”, como é chamada pelo comentarista católico George Weigel, está escrita em cada coração humano. E no início da Teologia do Corpo, João Paulo II faz alusão a como ela é baseada na criação do homem à “imagem” da Trindade divina (Gên. 1:26).
Uma vez que Deus existe como uma comunhão de três divinas pessoas que se entregam completamente em amor umas às outras, o homem e a mulher — criados à imagem da Trindade — foram feitos para viver não como indivíduos isolados, cada um buscando seu próprio prazer e vantagem do outro.
Em vez disso, o homem e a mulher foram feitos para viver em uma comunhão íntima e pessoal de amor de auto-entrega, espelhando a vida interior da Trindade. No final, as pessoas humanas encontrarão a felicidade que tanto anseiam quando aprenderem a viver como a Trindade, entregando-se em amor aos outros.
2- Solidão Original
Aqui, João Paulo II reflete na afirmação de Deus sobre Adão em Gênesis 2:18: “Não é bom que o homem esteja sozinho”.
A primeira vista, esta afirmação parece estranha. Adão não está sozinho. Deus o colocou em um jardim com água, árvores e vegetação. E Ele até colocou Adão ao lado de outras criaturas de carne e sangue exatamente como ele — os animais. No entanto, mesmo havendo muitas outras criaturas animais com corpos no jardim do Éden, Adão ainda é descrito de alguma forma como sendo “sozinho”.
Ele não pode ainda viver a lei do dom, pois não há ninguém como ele para se entregar como parceiro igual — nenhuma outra pessoa humana, nenhuma criatura corpo-alma como ele.
Isto nos diz que há algo sobre Adão que não é encontrado em outras criaturas corporais. Ao notar como ele é diferente dos animais, Adão chega a perceber que ele é mais do que um corpo — que ele tem uma dimensão espiritual. Como uma criatura corpo-alma, Adão é único. Não há nada mais na criação como ele.
E isto apresenta um problema. Se Adão foi feito para viver a “lei do dom” — para se entregar em uma relação mútua de amor — então Adão, nesta fase, é de certa forma incompleto. Ele ainda não é capaz de viver a lei do dom, pois não há nenhuma outra pessoa igual a ele para se dar como parceiro igual — nenhum outro ser humano, nenhuma criatura corpo-alma, igual a ele. Por isso Deus diz: “Não é bom que o homem esteja sozinho”.
João Paulo II explica que o homem só encontra realização quando vive em uma relação de mútuo autodoar, vivendo não para si mesmo, mas para outra pessoa. “Quando Deus-Yahweh disse, ‘Não é bom que o homem esteja sozinho’ (Gênesis 2:18), ele afirmou que ‘sozinho’, o homem não realiza completamente esta essência. Ele a realiza somente existindo com alguém’ — e ainda mais profunda e completamente — ‘existindo para alguém’ “(p. 60).
3- União original
Em resposta à solidão de Adão, o Senhor cria outra pessoa humana, Eva, para ser sua esposa. “Então o homem disse: por fim, esta é osso dos meus ossos e carne da minha carne’” (Gênesis 2:23).
João Paulo II destaca como este é o primeiro momento em que o homem manifesta alegria e exultação. Antes deste momento, ele não tinha motivo para se alegrar, “devido à falta de um ser como ele mesmo”. Mas agora ele finalmente tem alguém para se dar de forma única.
Em resposta extática, ele suspira “Por fim!” pois agora é capaz de viver a lei do dom e assim se torna aquilo para o qual foi criado através de sua união com ela.
Em seguida, João Paulo II reflete sobre como homem e mulher “se tornam uma só carne” (Gênesis 2:24). Ele destaca como esta unidade na carne não se refere meramente a uma união corporal, mas aponta para uma união espiritual mais profunda, uma união de pessoas.
Lembre-se de que uma pessoa humana não é apenas um corpo, mas consiste em corpo e alma. João Paulo II explana sobre como esta união de corpo e alma em uma pessoa ilumina a sexualidade humana. O corpo tem uma linguagem que é capaz de comunicar algo muito mais profundo do que informações ou ideias.
O que se faz com o corpo revela a própria pessoa, a “alma vivente” (p. 61). O corpo expressa a pessoa e torna visível o que é invisível, a dimensão espiritual do homem (pp. 56, 76).
Ele diz que nossos corpos têm um caráter nupcial no sentido de que eles têm “a capacidade de expressar amor, esse amor no qual a pessoa se torna um dom e — por meio desse dom — realiza o sentido de sua existência e ser”.
Isso tem implicações dramáticas para a compreensão da relação sexual. O ato matrimonial não deve ser apenas uma união física. Ele deve expressar uma união pessoal ainda mais profunda. Uma vez que o corpo revela a alma, quando homem e mulher dão seus corpos um ao outro na relação sexual matrimonial, eles se dão um ao outro. A união corporal deve expressar uma união espiritual ainda mais profunda. A intimidade física deve expressar uma intimidade pessoal ainda mais profunda (cf. p. 57).
João Paulo II chama esse significado nupcial do corpo de “o significado nupcial do corpo”. Ele diz que nossos corpos têm um caráter nupcial no sentido de que eles têm “a capacidade de expressar amor, esse amor no qual a pessoa se torna um dom e — por meio desse dom — realiza o sentido de sua existência e ser” (p. 63).
Nesta luz, podemos ver que o corpo será um importante palco no qual o drama das relações entre homens e mulheres será representado — para melhor ou para pior. Podemos abordar a união corporal da relação sexual como um meio para aprofundar a comunhão pessoal no casamento. Ou podemos nos envolver na relação sexual principalmente com o nosso próprio prazer em mente e sem considerar a capacidade do corpo de expressar amor de doação de si — em outras palavras, sem considerar o significado nupcial que Deus deu ao corpo.
Colocado de maneira clara: um homem pode ver o sexo como uma forma de aprofundar sua união pessoal com sua esposa, dando-se completamente a ela e expressando seu total compromisso com ela como pessoa e com o que é melhor para ela.
Ou ele pode abordar o sexo apenas como um ato físico com alguma mulher que acontece de lhe dar prazer — sem qualquer compromisso real com o bem-estar dessa mulher. Ao invés de estar verdadeiramente comprometido com a mulher como pessoa e com seu bem, esse homem está comprometido com a mulher naquele momento principalmente pelo que ela lhe proporciona: sua própria satisfação sexual.
Tal degradação do sexo, que é generalizada em nossa cultura hoje em dia, certamente é muito distante do significado nupcial bonito que Deus deu ao corpo.
4- Nudez Original
O que significa quando Gênesis 2:25 diz que Adão e Eva estavam “nus e não se envergonhavam”? A vergonha envolve medo de outra pessoa, quando não temos certeza de que podemos confiar nessa pessoa. Tememos ser usados ou feridos, por isso tememos ser vulneráveis ao permitir que outros nos vejam como realmente somos.
Originalmente, Adão e Eva não se envergonhavam. Cada um tinha confiança, confiança e segurança total em sua relação. Sua nudez corporal apontava para uma “nudez” pessoal ainda mais profunda, na qual eles se sentiam livres para despirem completamente suas almas um para o outro sem medo de serem usados, mal compreendidos ou desapontados.
Adão e Eva entenderam “o significado nupcial do corpo” — não apenas o corpo valor nominal, mas a capacidade do corpo de expressar amor e a comunhão de pessoas.
Como eles conseguiam ter este relacionamento ideal?
Imagine viver em um relacionamento no qual não houvesse absolutamente nenhum egoísmo. Você sabia que seu amado sempre buscava o que era melhor para você, e não apenas seus próprios interesses. Ele realmente via você como um presente que lhe foi confiado de forma única e levava a sério este papel com um profundo senso de responsabilidade.
Esse é o tipo de relacionamento que Adão e Eva tinham no Jardim. Antes da Queda, o pecado ainda não havia entrado no mundo e as pessoas tinham controle sobre suas paixões e apetites. Assim, com pureza total de coração, eles estavam livres de desejos egoístas e se aproximavam um do outro com reverência, buscando o bem do outro e nunca vendo o outro apenas como um objeto a ser usado.
João Paulo II explica que Adão e Eva se viram com uma perspectiva sobrenatural — com “a visão do Criador” (p.57). Em outras palavras, eles se viram da forma como Deus mesmo os via. Adão não viu apenas a beleza do corpo de Eva, mas toda a verdade de sua amada como pessoa.
E assim como Deus se alegrou em criar o homem e a mulher dizendo “É bom!”, Adão teria olhado para sua esposa com um profundo sentimento de espanto e admiração, vendo-a como a filha de Deus que se confiou a ele em casamento. Da mesma forma, Eva teria aceitado Adão interiormente como um presente e respondido a ele com amor e responsabilidade semelhantes.
“Vendo um ao outro, como se através do mistério da criação, o homem e a mulher se veem ainda mais completamente e distintamente do que através do sentido da vista em si… Eles se veem e se conhecem com toda a paz do olhar interior, que cria precisamente a plenitude da intimidade de pessoas” (p.57).
Neste tipo de ambiente de amor mútuo completo e responsabilidade, a intimidade pessoal pode florescer. Em uma relação de segurança total e confiança total na outra pessoa — quando não há medo de ser usado ou ferido — uma pessoa se sente livre para se dar como realmente é, sabendo que será bem-vinda e totalmente recebida como um presente.
“A afirmação da pessoa não é nada além da aceitação do presente, o que… cria a comunhão de pessoas” (p. 65). Assim, originalmente, homem e mulher não experimentaram as paredes da vergonha em sua relação. Eles não tinham medo de que o outro os usasse, os machucasse ou os rejeitasse. Livres do pecado, eles estavam livres para amar. Em uma relação de amor total recíproco, as paredes da vergonha não são necessárias. Na verdade, como explica João Paulo II, “imunidade à vergonha” é “o resultado do amor” (p. 67).
5- Vergonha Original
No entanto, uma vez que o pecado entrou no mundo, o homem perdeu o autocontrole necessário para impedir que os desejos egoístas cresçam em seu coração e envenenem sua relação. Ferido pelo pecado original, o homem descobre que já não é fácil para ele controlar suas paixões e apetites.
O homem já não olha facilmente para sua esposa com “a visão do Criador” (“É bom!”). Ele já não vê facilmente sua esposa como uma pessoa que lhe foi confiada e como um presente que ele anseia servir com amor e responsabilidade desinteressados.
Agora, o amor de seu coração por ela é contaminado por desejos egoístas de usá-la. Ele começa a vê-la principalmente em termos de seu valor sexual — o valor de seu corpo ou o valor de sua feminilidade — como objeto a ser explorado para seu próprio prazer sensual ou emocional. Ele já não vê facilmente seu valor como pessoa a ser amada por sua própria causa.
Em tal relação de segurança total e confiança total na outra pessoa — quando não há medo de ser usado ou ferido — uma pessoa se sente livre para se dar como realmente é, sabendo que será bem-vinda e totalmente recebida como um presente.
Imaginem o choque que Adão deve ter experimentado nesse primeiro momento em que sentiu os efeitos do pecado original em sua vida. João Paulo II diz que é como se Adão “sentisse que acabara de parar… de estar acima do mundo dos” animais, que são guiados por instinto e desejos (p. 116). Quase como os animais, Adão agora se encontra fortemente influenciado por seu desejo de satisfazer seus desejos sexuais.
Não mais tendo o controle de suas paixões, o homem e a mulher tendem a se aproximar um do outro com corações egoístas e lascivos. É por isso que Adão e Eva se escondem instintivamente de sua sexualidade um do outro no momento em que o pecado e a luxúria entram em suas vidas (p. 117).
Cada um não tem mais confiança total de que o outro esteja verdadeiramente buscando o melhor para eles. Eles sabem instintivamente que seus entes queridos podem usá-los. Assim, a narrativa bíblica da Queda nos diz que logo após Adão e Eva pecarem no jardim, estavam nus e envergonhados (Gên. 3:7).
A introdução do pecado destrói a unidade original do homem e da mulher e dificulta a intimidade pessoal em sua relação, pois agora o mecanismo de defesa da vergonha entra em sua relação. “Essa vergonha tomou o lugar da confiança absoluta conectada com o estado anterior de inocência original na relação mútua entre homem e mulher” (p. 120).
João Paulo II explica que a unidade original de Adão e Eva se dissolveu na Queda porque, sem o amor e a confiança mútuos totalmente desinteressados, eles não se sentiam mais livres para realmente se entregarem um ao outro: “Tendo facilitado uma plenitude extraordinária em sua comunicação mútua, a simplicidade e pureza da experiência original desaparecem… Essa comunhão simples e direta com o outro, conectada com a experiência original da nudez recíproca, desapareceu. Quase inesperadamente, uma barreira insuperável surgiu em sua consciência. Limitou a entrega original de si ao outro, com plena confiança em o que constituía sua própria identidade” (p. 118).
De volta ao Jardim?
Como criaturas pecadoras constantemente lutando contra a concupiscência, talvez nunca possamos retornar à relação ideal de Adão e Eva antes da queda. No entanto, há esperança.
Através da obra redentora de Cristo em nossas vidas, podemos começar a experimentar a cura dessas paixões desordenadas que nos impedem da grande confiança, amor e comunhão pessoal que Deus quer que experimentemos em nossas relações.
Quanto mais o Espírito Santo transforma nossos corações egoístas e lascivos com o amor total e generoso de Jesus Cristo, mais as relações entre homens e mulheres começarão a recuperar algo da unidade original do homem e da mulher e do significado nupcial do corpo (cf. p. 213).